Apesar da ligeira subida na estatística continental, no último mês de Junho.
Diferente do resto do mundo, que já soma mais de 10 milhões de infectados, como previa a OMS no início da pandemia, declarada a 11 de Março, África tem vindo a dar respostas surpreendentes, ante um vírus silencioso e letal, que não escolhe raças, povos nem etnias.
Ao contrário do que muitos insinuam, essa realidade nada tem a ver com o facto de o continente estar, eventualmente, a ser "poupado" pela pandemia que já matou, desde Dezembro de 2019, mais de 517 mil pessoas em todo o Mundo, das quais 10 mil e 414 em África.
Na verdade, o "continente berço" tem sabido liderar, pela primeira vez na sua história recente, uma lista intercontinental (10 mil e 414 mortes, de 421.862 casos), graças às medidas assertivas e pontuais tomadas, desde Março último, pelas autoridades sanitárias locais.
É, pois, inegável que o impacto mais "brando" da pandemia do novo milénio, no continente africano, surpreende até aos mais abalizados epidemiologistas da OMS, que prognosticavam, por esta altura do ano, infecções e mortes em grande escala.
Porém, ao contrário do que se previu, e mesmo com toda tecnologia a seu favor, a Europa comanda a lista, pela negativa, com 197 mil e 991 mortes, de 2.709.250 (até 2 de Julho).
Conforme os novos dados divulgados, os Estados Unidos e Canadá somam 137.102 mortes (2.817.838 casos), a América Latina e Caraíbas 119.171 mortes (2.665.100 casos), a Ásia 35.804 mortes (1.363.670 casos) e o Médio Oriente 16.801 mortes (782.654 casos).
África tem um registo de 10.414 mortes (421.862 casos) e a Oceania 133 mortes (9.519 casos).
Um olhar atento e desapaixonado a estes números mostra, de forma clara e evidente, que o Continente Africano (incluindo Angola) conseguiu driblar as teorias da OMS, que estimavam, só para Angola, por exemplo, pelo menos 10 mil casos de infecção, entre Maio e Junho.
É factual que, apesar da subida dos números em algumas regiões do continente, no geral, e em Angola, em particular, África continua distante de atingir as cifras preconizadas inicialmente.
No caso de Angola, o país começa a entrar para a fase crítica de contaminação, estando perto da temida infecção comunitária, mas, ainda assim, conseguiu resistir nos primeiros 45 dias da época de cacimbo, mantendo mais ou menos estáveis os números de casos positivos e de mortes.
Isto deve-se às firmes medidas do Governo, que encerrou as fronteiras do país a 27 de Março, diminuindo a probabilidade de importação de casos em massa e ofuscando as previsões da Organização Mundial da Saúde.
Tal como em grande parte dos países africanos, Angola decretou Estado de Emergência e levou ao confinamento compulsivo toda a sua população, com forte controlo ao redor das fronteiras.
Este terá sido, na essência, o principal trunfo dos Estados africanos que, com estas medidas de excepção constitucional antecipadas, deram uma "chapada sem mão" a todos aqueles que colocavam em causa a sua capacidade de prevenção e de organização.
Os números não deixam dúvidas de que os países africanos foram os que melhor se prepararam para enfrentar a pandemia, cientes das grandes fragilidades dos seus sistemas de saúde.
Os africanos aproveitaram bem as experiências falhadas e pouco ponderadas dos países da Europa, Ásia e América, particularmente da Itália, Espanha, do Brasil e dos Estados Unidos da América, os primeiros a colapsar diante da virilidade do novo coronavírus, além da China.
Angola é o reflexo dessa visão assertiva e antecipada dos países africanos, ante um problema global que, mais do que afectar as economias, está a dizimar milhares de vidas.
O país tinha apenas dois casos positivos, detectados a 21 de Março deste ano, quando decretou o Estado de Emergência (prorrogado três vezes), seguido da Situação de Calamidade Pública, numa altura em que vários Estados europeus relutavam em confinar o povo.
Inicialmente, a população angolana não percebeu a razões do Governo e as necessidades falaram mais alto. Muitos, até, se rebelaram contra as medidas de contenção da pandemia.
Todavia, mesmo com a ocorrência de alguns confrontos com as forças da ordem, e excessos de ambos os lados, com vítimas mortais, inclusive, o objectivo está a ser cumprido, as cercas sanitárias se mantêm ali onde se mostram necessárias e a doença é confinada à capital.
Apesar de Luanda estar numa situação epidemiológica "preocupante" e o coronavírus ter conseguido penetrar em quase todos os municípios da capital, os casos cingem-se, apenas, a duas das 18 províncias do país (Luanda e Cuanza Norte).
As medidas das autoridades políticas e sanitárias, acompanhadas da inovadora quarentena institucional (pouco usada na Europa e América), foram de capital importância para conter a proliferação dos casos importados da Europa e proteger os quase 30 milhões de habitantes.
Pelos dados actuais, percebe-se uma tendência de crescimento de casos de infecção em Angola, que somou, até ao dia 02 de Junho, um total de 315 infectados, 17 óbitos, 97 doentes recuperados e 201 activos.
Trata-se de números mais expressivos que os conseguidos no período de Estado de Emergência, que vigorou até 26 de Maio, mas, ainda, muito longe das previsões da OMS.
Apesar disso, Angola não está à salvo, pelo que a população deve continuar a cumprir com rigor as medidas de biossegurança, sob pena de "estragar" todo um trabalho já elogiado internacionalmente.
Com a retoma gradual da actividade económica, os riscos de novas infecções são cada vez mais altos em Angola, razão por que alguns sectores da sociedade começam já a sugerir um recuo nas medidas de desconfinamento adoptadas pelas autoridades.
A propósito, o Presidente da República, João Lourenço, já declarou que, à semelhança de outros países, Angola pode optar por essa decisão, se a sociedade se descuidar.
Entretanto, mesmo vendo cair por terra as teorias que apontavam os africanos como as piores vítimas da Covid-19, a partir de Maio, especialistas há que continuam a prever "o pior" para África.
O facto, porém, é que o perigo continua à vista em todo o Mundo, numa altura em que países aparentemente já "livres" dos focos de contaminação, como a China, França, Portugal e o resto da Europa, começam a dar sinais de recuo e a registar novos casos.
O olhar crítico destes especialistas não deve estar centrado, apenas, em África, porque esta, ainda que não se queira aceitar, se continua a manter entre os que melhor lutam contra o vírus.
Os africanos reagem melhor que os Estados Unidos, Brasil e Rússia, só para citar alguns, todos estes "gigantes" em termos populacionais. Mas, importa ilustrar que África é o segundo continente mais populoso do mundo, com 1,2 bilhão de habitantes, o que, à partida, seria um factor desfavorável. Diante destes dados, há que dar mérito às lideranças africanas.
Todavia, é importante que os povos africanos, com menos recursos técnicos, tecnológicos e humanos, não relaxem na sua estratégia de prevenção, porque só assim se manterão na linha da frente no combate contra um vírus que teima em agigantar-se.
É imperioso que se mantenham, permanentemente, vigilantes, para não dar motivos e sustentação às teses radicais e aos intentos daqueles que querem tirar vantagens económicas da situação.
O continente tem experiência comprovada no tratamento de doenças infecciosas, como a tuberculose e o marburg, mas não basta. Para conter o coronavírus e continuar a manter baixos índices de mortes, precisa de rigor e disciplina.
Os países de África precisam, também, de aumentar o raio de testagem e melhorar as condições de vida da população, principalmente da periferia, onde, grosso modo, faltam condições de higiene, água, luz, saneamento básico e centros de saúde.
Só assim, a "teoria da conspiração" contra África permanecerá sem "pernas para andar".